Domingo a noite, depois de assistir o noticiário a respeito dos ataques do PCC, minha mãe me pediu para que não fosse trabalhar. Ela estava assustada com as cenas de ônibus queimando que passavam na televisão.
Eu disse que era bobagem, e era. Mesmo com bandidos e perigos no mundo aí fora não podemos deixar de viver. E não havia muito risco a correr. Vou ao trabalho diariamente em ônibus fretado, que segue por algumas das vias mais movimentadas (e não raro congestionadas) da região metropolitana, lugar improvável para este tipo de ação.
A primeira notícia na rádio era a da paralização de várias empresas de ônibus. Preocupante, mas normal. Dezenas ônibus queimados num fim-de-semana não é brincadeira Tanto os empresários quanto motoristas e cobradores queriam garantias de segurança para trabalhar, mais do que justo. Mas o locutor resolveu apresentar a manchete assim: “São Paulo citiada, motoristas de ônibus impedidos de trabalhar”. Apesar de não ser exatamente mentira, foi meio “hollywoodiano”, mas vá lá… e eu a essa altura já estava embarcado no fretado, a caminho do serviço.
Durante o dia os comentários sobre a “ousadia” dos bandidos no fim-de-semana quase chegaram a me irritar. Que ousadia é essa? Passar atirando em frente de posto policial pegando os policiais desprevenidos ou atirar pelas costas não é “ousadia”. é covardia.
Lá pelo meio-dia começaram a pipocar os boatos. Uma loja lá no centro tinha sido saqueada, alguns bandidos fugiram de não sei aonde, escolas e universidades estavam sendo metralhadas, várias delas, os bandidos naquele instante eram onipresentes.
Eu perguntava “quem te disse isso?”, “onde você ouviu?”. Eu sou meio cético, por isso, a cada história eu tentava conferir em algum site de notícias na Internet, porém nenhuma das histórias se confirmava.
Os boatos são assim, ninguém sabe quem viu, quem fez, quem falou… e nem é necessário. O boato nem precisa parecer verdade, você pode ter quase a certeza de que é mentira, e ainda sim fazer o efeito, só precisa te deixar em dúvida. Com a Internet os boatos foram se espalhando por toda a parte e ganhando até variações locais, em pouco tempo cada região de São Paulo tinha sua própria versão para “teve uma explosão no shoping”.
Veio a notícia do suposto toque de recolher. Ninguém sabia direito quem o decretou, se foi o Governador ou se foi o PCC, só se sabia que seria às 20h (18h em algumas versões). Também veio a história que, o metrô e os trens também parariam de circular. Foi o que bastava, para empresas, escolas e várias instiutições sérias liberarem seus alunos e funcionários.
A sensação naquela hora era que a cidade estava mesmo sitiada, igual nos filmes de Hollywood. Todo mundo era um alvo-ambulante, era preciso chegar o quanto antes em casa, até porque alguma coisa (qualquer coisa) podia acontecer a qualquer momento. Mesmo pra mim que ouvia todos aqueles boatos (e tinha plena consciência que só podiam ser boatos) a sensação era de medo. Tinha plena consciência que meu medo era ridículo, mas medo não é coisa muito racional mesmo.
Todo mundo tentou fugir ao mesmo tempo. Tentou. Porque sem ônibus e com o congestionamento recorde no ano, as pessoas acabaram tendo que ficar mais tempo nas ruas (a contragosto e com medo).
Saí no meu horário normal, não por coragem, mas porque eu voltaria também de fretado, e não tinha ônibus de linha circulando pra eu voltar. Minha vontade na verdade era usar um teleporte e estar em segurança em casa no instante.
Como não existe teleporte, demoraria quase 4 horas para chegar em casa devido aos congestionamentos. Já eram 20h, e eu estava lá, dentro do ônibus, muito longe de casa, sem que a tão falada “coisa grave” tivesse acontecido.
Falando no celular com a minha irmã ela pediu pra tomar cuidado porque na Rua Oliveira Lima em Santo André teria acontecido um tiroteio durante a tarde, eu respondi seco: “Rafa, pára com isso, é só mais um boato…”. E era mesmo.
Qual a conclusão de tudo isso? Não sei ao certo. Minha intenção é registrar o que aconteceu (ou melhor, não aconteceu). Não que as coisas estivessem totalmente sob controle, mas houve um exagero.
Não querendo defender as autoridades que realmente falharam (e muito), a imprenssa hoje fala da demora da reação do governo ao ataque de boatos, mas deveriam fazer um mea culpa, afinal, o foram eles que deram esse tom de “cidade sitiada”.
Houve uma reação desproporcional ao que realmente aconteceu, as conseqüências foram ruins, e poderiam até ser muito graves.
“O Senhor teu Deus está no meio de ti, poderoso para te salvar; ele se deleitará em ti com alegria; renovar-te-á no seu amor, regozijar-se-á em ti com júbilo.” (Sofonias 3:17)”
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